domingo, dezembro 28, 2014

MOSTRA-ME, SENHOR!

No culto, o pregador fala mansamente
explica a Palavra com amor
enquanto os seus olhos acompanham o auditório
(aqueles corações são a boa terra pra semente)
e seus gestos, medidos e comedidos, acentuam a Palavra.
Lá fora, a inquietação predomina,
as praças estão cheias e venta um burburinho
o trânsito está calmo, é domingo, mas não há paz
e eu, no templo, ouço a Palavra
querendo que as escamas caiam dos olhos
rindo e chorando os meus momentos
aguardando o que pode acontecer.

Mostra-me, Senhor!

O guarda de trânsito abandonou o apito e
vê as bandas das meninas passarem;
a velhinha acerca-se de cuidados para atravessar a rua;
as crianças, afoitas, circulam tendo uma delas a bola na mão
querendo chegar ligeiras ao campinho;
maritacas voam algazarras de sonido incerto;
capivaras fuçam matos às margens do rio que reverdece;
a vida prossegue em seu labor
e eu, Senhor,
aguardo uma luz...

Assentado no último banco do templo
estou dentro e fora ao mesmo tempo
acompanhando a movimentação humana
e o mover do Espírito.
Arrasado, percorre a calçada o cachorro
escorraçado pelo dono da carrocinha
de cachorro-quente.
Transeuntes anônimos olham para o interior do salão
com olhos que bisbilhotam sabe-se lá o quê
na tentativa de algo encontrar.
A música estruge e a congregação põe-se de pé;
perfilo-me entre os fiéis com a alma dividida.

Mostra-me, Senhor!

As praças sabem falar;
os ambulantes pegam a esperança no troco esquecido;
no semáforo, as luzes acendem e apagam generosidades.
Quase sem vida, o morador de rua atravessa a letargia.
Um coração aflito sabe como outro coração aflito afligir.

Mostra-me, Senhor, o que não posso mostrar:
devo eu assentar-me em banco mais pra frente doutra feita?
devo dar as costas para o burburinho da rua
e só ouvir as canções e as orações cá de dentro?
como conviver com os pensamentos
estando num lugar que convida à paz?
Talvez você pense agora: que precisa ver este cidadão?
Tu dizes pra mim, Senhor, no silêncio da oração
e na suavidade majestosa da pujante canção:
Há um rio que leva às moradas do Altíssimo!
E eu grito algo desorientado:
– Então eu quero, Senhor! Eu quero Senhor!
E me mostras o rio caudaloso da vida
onde me abebero de fé, esperança e amor.
Saio do culto sem medos precoces
ou qualquer delirium persecutorum
e sinto o vento bater
na face molhada
respingada de Deus.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,

09 de Dezembro de 2014 (18h10min).

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