quinta-feira, fevereiro 19, 2015

A CASA DO CORAÇÃO PARTIDO

A casa sem paredes para onde tinha ido depois
e a casa oitocentista que acompanhara sua vida...

Quiseram levá-lo de volta à velha casa da Rua 23
como se fora possível reviver a mística do reencontro
do poeta com as suas coisas, seus objetos pessoais.
Mas, aquilo não daria um caldo de poesia,
mesmo reunindo novamente a escrivaninha de jacarandá
e a velha máquina de escrever Royal;
mesmo trazendo de volta os livros,
ah, aqueles  livros todos
que sentiram o toque dos seus dedos
e tiveram o pouso do seu olhar sobre suas páginas;
mesmo uma sobrinha doando a sala completa:
conjunto de sofá, bar, estante, vitrola e
mesmo um colecionador anônimo
se dispondo a abrir mão
do quarto misterioso
onde cada encontro amoroso
se perdera no tempo
apesar da investigação minuciosa
dos historiadores com dedicação de monge.

Poderiam reconstruir o cenário da poesia,
mas o leitmotiv do poeta se perdera.
Não haveria mais poesia do grande...

Ah, poeta, até mencionar teu nome faz engasgar...

Aquele elegante piano que retornara à sala,
não mais soaria as canções melancólicas
de mãos dedilhadas sob o transe da poesia.

Quando seus escritos ganharam o oikos
a casa universal dos poetas que permanecem –
ele perdera o ponto de contato com o sonho,
o abrigo singelo de seus pensamentos
(a velha casa do bairro suburbano).
E, com o coração partido, deu adeus à inspiração.

Resta uma atmosfera na casa restaurada:
cada canto da casa de sua alma impregnada.
Mas, ele mesmo já está no panteão da literatura
e, em cada texto datiloscrito
que deixou com correções à caneta
antes de dar o último adeus
à casa do coração partido.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,
18 de Janeiro de 2015 (06h17min).


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