segunda-feira, outubro 01, 2007

QUASE

Conheci um bem vivido
homem que é deste mundo
que dizia pra todo lado
e falava pra toda gente
que ele seria outro
que sua vida seria outra
se não fosse o destino
se não fosse o desatino
se não fosse o intestino
ou qualquer coisa marota.

Quase foi fazendeiro,
quase foi pra Marinha,
quase comprou estaleiro,
quase casou com Rainha.
Quase fez faculdade,
quase comprou limusine,
quase esteve com Sinatra,
quase andou de fragata.

E assim, esse homem vivido
de “quase” sempre fornido
fez fama em sua cidade
foi mote da mocidade
que nele via um coitado
um pobre desajuizado
vivendo do sonho do “quase”
do espanto de nunca ter sido
do gosto amargo na boca
de ter chegado bem perto
e visto a “terra prometida”
e quando por ela passando
de perto ele a avistasse
os sonhos ia alimentando
com esta história do “quase”.

Mas era um boçal este homem
de tanto tempo vivido?
Ou era um louco da vida
que nem sequer tinha nome?

O homem da minha história
teve a sua trajetória
marcada por desilusão:
sofreu na mão do padrasto,
sofreu muito no pasto,
sofreu na mão do empregado,
sofreu na mão do patrão!

Um dia lhe perguntaram:
“Por que tanta chance na vida
e nenhuma aproveitada?
Foi falta de alguma guarida
ou alma desmiolada?”

Mas o pobre homem vivido
de “quase” nunca se esgota
continuou sua cantilena
parecendo uma novena
de velha mulher devota:
quase fui um general,
quase fui um prefeito,
quase construí hospital,
quase tive amor-perfeito.

E de “quase-em-quase” este homem
quase ganhou na loteria,
quase se tornou poeta,
quase montou padaria,
quase se fez profeta.
Quase conquistou uma moça,
quase andou de avião,
quase teve uma esposa,
quase compôs uma canção.

Na vida daquele homem
agora bem mais vivido
tudo era sonho e quimera:
“Quase” sempre em prontidão
e ele sempre na espera
parecendo assombração.

O pobre moço, coitado!
Teve pai que morreu cedo,
padrasto que o encabulou,
a fazenda foi vendida,
o sonho desmoronou.
O amigo da Marinha
logo, logo, desapareceu,
o estaleiro faliu
e a Rainha morreu.
Da escola foi banido,
o carro se enferrujou,
e com o ingresso perdido
de Sinatra não viu o show.
O pobre homem do “quase”
perdeu a hora do embarque,
esqueceu de alistar-se,
nunca tomou partido,
sempre esteve na iminência
porém, nunca chegou lá
e perdendo a concorrência
hospital não pôde montar.

Ainda em sua vivência
foi um homem sem amor
nunca teve professor
que mudasse a decadência.

Andava quase molambo,
quase sempre cheirando a mofo,
quase sempre se arrastando
e de tudo o que fazia
quase todo mundo ria
e ele não se importando.

Nunca teve companheira,
o bilhete jogou fora,
na vida só fez besteira
e a namorada foi embora.
Comprou caneta e papel,
tentou escrever qualquer coisa
que quase se fez poema
mas voltando à cantilena
chegou atrasado no aeroporto
e em si tão absorto,
falava e ninguém ouvia
e até o que escrevia
ninguém punha atenção.
Arrancaram-lhe o coração
e sem canção, sem poesia,
era dado como morto.

Que triste este homem errante,
que passou por esta vida
mas sem nunca chegar lá.
Sua alma, qual um berrante,
faz a sua despedida,
não sabe se ficará!

Era um homem “quase” vivo!

Nova Friburgo, RJ, 13/06/2000 (08h43m)

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