quinta-feira, dezembro 31, 2015

AUTORRETRATO

Fotografar o entorno e nele desejar aparecer.
Fotografar-se e imortalizar o instantâneo.
No passado havia fotografias
e o que as lentes captavam registrava a efeméride.
Hoje, se registra tudo, o íntimo, o pessoal;
e se expõe ao mundo: a banalização do eu.
As imagens registradas se perdem nas nuvens...
Orkutaram-se as raízes da onipresença midiática:
são inglórios, os quinze minutos de fama?
Adolescentes europeus querem ter o direito
de eliminar o seu passado das redes sociais:
fizeram muita merda e não aguentam mais o mal cheiro.
A Sociedade mergulhou na mídia sem “grilos”.
Agora, pausa para uma reflexão pós-sistêmica
em que paradigmas se desconstroem e o
self relacional se esboroa no neo-individualismo:
onde vai dar essa superexposição de corpos e pensamentos?
O autorretrato, selfie para os anglófonos,
é um brinquedo narcísico das eternas crianças que habitam em nós.
O quanto de inofensivo ou cruel há nisso, ainda não o sabemos.
Nesse mundo desmemoriado o autorretrato pode ser
uma metáfora gritante da escassez de sentido:
tudo guardar para tudo perder;
tudo perceber para tudo lembrar;
tudo registrar para tudo esquecer;
tudo entrever para tudo apagar.
O indivíduo desmemoriado é o ícone do presente
e, subentende, passado não haver.
De tudo não se lembrar;
do passado nada registrar;
o presente viver;
o futuro pode não existir.
Viva-se o aqui e o agora e viva-se intensamente
(na maximização do prazer hedonístico)
que o tempo é curto
e o passado não volta
e o futuro não vem.
Uma foto que registra
várias pessoas fazendo autorretratos,
simultaneamente, constata também:
nossa era perdeu o sentido do coletivo;
mesmo estando presentes, a ausência fala mais alto;
o micro supera o pequeno e se auto-anula;
para o ego convergem os interesses;
um registro principal é feito de frações de registros;
agora, levamos pra casa o eu e um borrão do restante;
levamos pra casa o eu que já tínhamos
e recusamos a metanóia.
Somo sensíveis ao que nos exclui
e excluímos descaradamente os outros.
Nossa Sociedade é egoística-narcisista-hedonista.
Fotos digitais hoje precisam ser boazinhas
e incluir um excelente relacionamento com a gente mesmo.
Senão, não vão para os céus...
Pelo menos para os céus das redes sociais
a refletir nossos rostos nas nuvens
até que um hacker-demônio a carregue...

Josué Ebenézer Nova Friburgo,

04 de Agosto de 2015 (11h53min).

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