quinta-feira, fevereiro 01, 2007

O Avivamento Quando na Igreja Passava

O avivamento quando na igreja passava
o vento. Os jovens sorrindo,
tocando instrumentos - e o avivamento quando na igreja
bailavam notas pelo ar.
Eram melodias no vazio. Os jovens
riam, cantavam - e as caixas soprando de dentro
os sons, com seus pulmões de tessitura
high-tech. E os jovens
comiam melodia pelo ar.
E eles riam no vazio e gritavam: era
o tempo do avivamento.

As crianças perambulavam entre bancos.
Alguém falava: vazio. A noite vinha
partir a boca do gasofiláceo, e as crianças
perambulavam na plataforma - alguém
falava: dinheiro.
No templo, elas riam - e o avivamento corria pelas
acústicas cordas vocais dos anjos peraltas,
e abriam-se os envelopes da boca do gasofiláceo.
Melodias - era alguém dizendo isto.
E os jovens sorrindo, comendo melodias no vazio.
Alguém falava: crianças. E era o tempo da abundância.

O dinheiro escorria na boca de madeira,
as crianças brincavam de Tio Patinhas
sobre as moedas e notas nos envelopes - e elas gritavam
na liberdade do ter.
Alguém falava: dinheiro, tempo.
As caixas soprando o som que os jovens
teciam, o Espírito fazia, e todos se amavam.
No aquário da sala dos jovens,
um peixe alegre e brincalhão, percorria
exultante, querendo romper os seus limites,
como uma antiga palavra dos cristãos: amor.
E alguém falava: é o vazio.
Os jovens riam dentro do avivamento,
comendo o vazio. O Templo
começava a se encher. A boca do gasofiláceo
ficava cada vez maior, era o não faltar.
A noite vinha pelo ar,
na sombra perambulavam as crianças.
E era o tempo da esperança.

E elas riam no ar. Comendo
a noite,
alimentando-se de melodias e de risos.
E alguém falava: velhos.
E o avivamento assoprava em silêncio -
na noite, no vazio -
abrindo brechas entre corações dormentes, lá na noite
dos jovens
que riam nos ensaios de louvor, regozijando,
comendo melodias. E alguém falava:
É o vento do Espírito soprando as canções de um amor
eterno. E os jovens
gritavam de alegria.

Do terreno baldio ao lado, o gado espreita,
e nos focinhos a ansiedade da fome de quem,
diferente das ovelhas, não consegue entrar no Aprisco.
Pelas janelas os violinos
passavam como o ar. E o avivamento nos jovens
voava pelo éter, enquanto o gado
cheirava a terra, comia o barro. Alguém falava:
fogo. E o gado não enxergava os violinos.

E as janelas estremeciam com a
passagem eufórica dos acordes divinos.
E os admiráveis jovens cantavam a sua canção,
como na antiga profecia, sonhando
os sonhos dos céus, nas bem dormidas
noites da paz, coroadas de sons multicores.
E no fogo os jovens, as crianças e os velhos
eram tocados pelo tempo do avivamento.

Alimentavam-se apenas de um livro preto
que alguém achara no empoeirado esconderijo.
E as palavras saltavam daquelas páginas
e quanto mais as liam, mais elas se tornavam
imprescindíveis.
Já não havia mais silêncio como o de antes:
o silêncio da alma era a voz do coração.
Partilhavam-se as emoções e praticava-se
a comunhão. Era o tempo da vida plena.
Os jovens, cantando sua esperança,
comiam os frutos do novo tempo.
O sabor era doce, as crianças brincavam,
os velhos se abraçavam.
Já não havia distinção entre manhã e noite.
E eram melodias no rosto alegre das gentes.
Avivamento - falava alguém. O vento passava -
e pela manhã/noite, em seus ruídos,

o avivamento expulsava o vazio.

*Nova Friburgo, 6,7/06/99
(Calcado em texto de Herberto Helder in A Máquina Lírica)

Nenhum comentário: