quinta-feira, fevereiro 01, 2007

As Janelas dos Céus Que Abrem

As janelas dos céus que abrem
manhãs. Penso eu: o que são?
São o chorar de Deus pelo esconderijo dos
homens. O cadeado se arrebenta:
Abas largas e treliçadas se abrem sobre a
Terra: Engolem trevas,
dissipam nuvens carregadas,
reduzem o vento tempestuoso
à uma brisa mansa.
Uma criança com uma colorida
bola na mão, grita: É a paz!
E tudo se acalma.
Ao redor os raios que
atravessam as frestas do horizonte
se fazem bonança.

O sol escancara de vez
as janelas dos céus que abrem
manhãs de verão. E o céu?
É azul, penso eu. Tão azul
como um manto suave a cobrir o
firmamento. Mas, no momento,
o que se ouve é a voz
do menino moreno de pés descalços:
- O céu é espelho do mar!
Reparei.
Havia uma lágrima no seu olhar.
A voz do menino moreno falou de um
sonho: “Toda criança que desaparece
no mar é encontrada no céu.”
Sua irmãzinha se fora,
tragada pelas ondas,
e ele acreditava que o céu
era o Paraíso dos Afogados.

Formiguinhas humanas perambulavam
entrecaminhos,
bem abaixo das janelas dos céus que abrem
manhãs de trabalho.
É o azáfama da vida, penso eu.
E os homens e mulheres
mandam seus pequeninos pra escola,
distraem-nos com babás que jogam bola,
enquanto paramentados de profissionais e
perfumados de aparência,
carregam na pasta o ofício
e na consciência o desperdício
de vidas que não voltam mais.

As janelas dos céus que abrem
tardes. Penso eu: o que são?
São o pensar de Deus acerca dos caminhos da
humanidade. Alguém diz:
metamorfose -
e as lágrimas de Deus se transformam no suor dos
homens. Deus pensa no futuro de sua
Criação, mas o homem apenas guarda,
no bolso, o lenço já sujo da poluição.
Um adolescente com um caderno
escolar na mão, rasga folhas ao vento:
É a poesia!
E as páginas brancas daquela vida
clamam com paixão por uma
escrita qualquer.

As nuvens grávidas atravessam
as janelas dos céus que abrem
tardes de outono. E o céu?
É o salão de baile das simpáticas gestantes,
cujos filhos regarão a terra e
aparecerão nas árvores em formas e cores
multifacetadas.
Mas, naquele instante, o que se ouve
é apenas o farfalhar das folhas secas no chão,
açuladas pelos animaizinhos
que se divertem sem culpa.
Na copa das árvores, balouçam aves,
sibilam sons.
E o vento se encarrega de espalhar a música.
É o prazer! - Alguém disse alegre.
Não se viu, porém, o homem.
Estava na mesa do escritório
olhando o ar-condicionado desligado.

Blocos de concreto armado se empilham
nos espaços,
bem abaixo das janelas dos céus que abrem
tardes de embromação.
São as cidades - o arquiteto se apressa em dizer.
Mas as tardes que trazem a janela de Deus,
transportam também seu refletir.
- Não foi pra isso! A voz tronitroante sacode
as gentes.
Deus não está satisfeito com os rumos da humanidade.
Alguém falou: Liberdade!
Mas o homem, aprisionado pelo mercado,
já não consegue entender.

As janelas dos céus que abrem
noites. Penso eu: o que são?
São o cantar de Deus em seu grande amor
pela vida. O piano espalha teclas pelo
ar: pretas e brancas.
E os sustenidos e bemóis vão tocando a
noite. Luzes se acendem.
Fluorescentes cores crepitam no ar
fazendo palpitar nos corações a emoção.
Um jovem com uma raquete de
tênis na mão, joga bolinhas
amarelas ao vento. É o sonho.
E a pequena rede vibra aquelas
sensações, enquanto as
luzes da quadra se apagam
findando mais um treino de
esperança no futuro.

As estrelas risonhas saltam divertidas
por entre as janelas dos céus que abrem
noites de inverno. E o céu?
É um infinito misterioso onde
mergulham os olhares vindos,
qual setas, de corações apaixonados.
No momento, porém, o som é perturbador.
Faz-se ouvir o ronco das guitarras
produzidos nos bailes funks.
De há muito o romantismo desapareceu,
e amor virou sinônimo de sexo e
agressividade.
O volume de som atinge o ápice
enquanto no muro do clube
enfileirados rapazes urinam.
Um adolescente careca passa correndo
entre os carros. Pensa que é astro,
mas o crack que consumiu
faz dele um molambo sem rumo definido.

Pontos luminosos aproximam-se ligeiros
acompanhados de sons cada vez mais fortes,
bem abaixo das janelas dos céus que abrem
noites de diversão.
São as cirenes da Polícia em sua
blitz sobre a garotada do subúrbio.
Ninguém sai; ninguém se mexe.
Alguns eleitos são “premiados” com uma
carona até o Departamento.
Quem não é do ramo se petrifica
com os sons da noite,
que pecam por falta de musicalidade.
Engoli em seco:
- O homem tapou os ouvidos ao canto de Deus...

As janelas dos céus que abrem
madrugadas. Penso eu: O que são?
São o salvar de Deus do que restou da
humanidade. O Planeta se encolhe.
Toda energia se volta para sua gênese:
É Deus dando um tempo de restauração.
Ouço um lamento prolongado de bebê
de colo. Calo-me para ouvir o
movimento da madrugada.
Um adulto sai à rua, envolto num cobertor.
São passos lentos,
que parecem não ter rumo,
até que chegam à casa azul.
Coloca um embrulho de jornal no portão:
pode ser uma bomba, pode ser doação.

A lua prateada serve porções de
esperança, através das janelas dos céus que abrem
madrugadas de primavera. E o céu?
Acompanha o cardápio da lua, possibilitando
ao que busca um novo amanhecer
saciar-se de luz.
As árvores e plantas, do orvalho molhadas,
preparam-se para o novo dia.
Reparei nas cores.
Havia estilo nas flores,
mas uma me chamou atenção:
Amor-perfeito.
Como seria bom que os homens fossem assim.
Que as madrugadas de Deus se tornassem
laboratório de ações positivas,
substituindo a maquinação do mal
pela tal da oração.

Nos leitos, encolhidos, todos estão a dormir,
bem abaixo das janelas dos céus que abrem
madrugadas de restauração.
Quando o ser descansa no relógio
biológico do seu Criador,
dá chances à natureza de torná-lo melhor.
Um sorriso aparece no rosto daquele que dorme.
É o carinho de Deus em quem tem o coração em paz.
Mas as madrugadas também trazem sonhos,
comunicam mensagens.
- É a cruz! Alguém diz.
E no silêncio do Calvário, bem como
na madrugada das mulheres que foram ao Sepulcro,
o anjo de Deus a dizer:
As janelas dos céus sempre abrem-se
para a salvação de todo o que crê.

Nova Friburgo, 07-11/06/99

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