quinta-feira, dezembro 27, 2018

NOITE FRIBURGUENSE*


O Culto na Igreja em Olaria acabou.
O povo sai para a rua escura
e se depara com o inferninho do bairro:
o loiro pega a negra nos
monturos de demolição da casa velha;
resquícios do Steirão Love Story.

Vai começar a noite no meu bairro querido
e falta poesia no amor bandido.

Mas onde está o Fabrício e onde o Jairo?
Éber conta suas histórias engraçadas;
Valdo reclama da vida e conta lorota.

A Globo Discos não toca de noite Celly Campelo
e seu eterno “Banho de Lua”
que a deixa branca como a neve.
Mas, quando a garotada passa em frente
da loja; não há como não vir,
como chiclete grudado na gente,
este refrão, morou?:
“Oh! luar tão cândido!”
Somos os sonhadores do bairro.
– “We Have Several Dreams!“

Flávio e seu mau humor constante,
e sua pressa para a vida:
o trabalho na Fábrica de Rendas Arp
virou sua cabeça adolescente.
E as meninas da Igreja?
Foram para casa.
A noite é dos rapazes,
estes adolescentes que se acham...

Ozéias não ficou com o grupo;
foi pra casa alimentar a passarinhada.
E Roberto Carlos, cadê ele?
Ele quer namorar minha irmã Jussara.
Ela me perguntou o que eu achava.
Disse que não devia namorá-lo:
Ele era feinho e tinha espinhas nas costas.
Hahahahahahaha!
Em pouco tempo casaram-se...
O amor tem disso:
É impossível ser contra
algo que o coração já determinou!

Estamos na rua à toa,
jogando conversa fora.
A maioria dos meninos era tricolor
e vibrava com as conquistas,
nacionais e internacionais,
da lendária Máquina Tricolor”
dos anos 70.
Mesmo que as conquistas amorosas
da garotada de subúrbio
andassem longe de serem alcançadas.

Estamos na rua principal do bairro
depois do Culto Jovem.
O vento frio da serra queima os rostos
e, também, as mãos e faz a gente dar
pulinhos pra esquentar.
Lenilson faz uma bola de papel
e joga no meio da galera que se anima.
A molecada chuta de tudo na calçada
até tampinha de garrafa!

A algazarra noturna da turma,
na escura Presidente Vargas de então,
anima a rua deserta e notívaga.
A escuridão denuncia
o descaso do poder público
mas, também, revela
que as estrelas nos espiam
enquanto meu coração
reclama a presença da poesia
na noite camarada.

Meu mano José Carlos está ali também
ele é sério como papai
e tem até uma parecença física.
Deve estar pensando na Josy
seu namorico adolescente.
Mas, quando o Fabrício – que gosta da Lia,
irmã da Josy – volta com a notícia,
ele se anima:
– O Bar do Odir ainda está aberto!

E lá, vamos nós, caras ao vento,
descendo a rua correndo
pra disputar os poucos assentos do bar.
Os mais tímidos não disputam espaço,
chegam com o relógio,
seus ponteiros ajustados no tempo da chegada...
Era a timidez do bolso:
alguém teria que lhes pagar o prazer!

De vez em quando passam alguns grupos.
Ou eram os egressos de igrejas como nós
ou os para quem a noite só estava começando
e o Som Boate os aguardava.
Naquele tempo...
a noite dos crentes terminava
quando a dos ímpios começava.
Estava morrendo no ar o último dia da semana...

              Nosso Grupo, “Libertos por Cristo”
              Acabara de cantar no Culto Jovem.
              Era sábado. O amor estava no ar.
              Mas éramos apenas
dedicados e sonhadores
adolescentes cristãos...

Onde você mora, Felicidade?

              Os cotovelos afundados no balcão
              o rádio tocando uma qualquer canção
              enquanto esperávamos o velho Odir
              nos atender sem a gente ter que pedir...
              E as meninas, onde estavam?
              Em suas casas, indo dormir,
              fechando janelas e cortininhas
              com seus pássaros, também,
              voando em seus pensamentos...

A Felicidade mora numa rua qualquer,
numa casa sem número,
e dorme num quarto sem porta,
mas que só dá acesso ao amor.
A Felicidade abre,
de vez em quando, a janela
para a entrada da Lua e seus poemas...

Seu Odir chega com as guloseimas.
E o que o Bar do Odir tem,
de tão interessante,
para essa turma adolescente
que volta e meia se encontra por lá?
Lá tem aqueles ovos cozidos
     uns azuis, até, dizem que é de pata –
e tem também aqueles torresmos fritos
e uns salgadinhos de vitrine,
que gostam de aparecer,
e uma decoração démodé
que evoca o tricampeonato de 70
do scratch canarinho nacional...

Mas não é nada disso
que leva a garotada para lá...
O que nos leva
nos meados dos anos 70 ao Bar do Odir
era o seu indefectível
pudim de leite condensado
e uma boa garrafinha
do histórico Guaraná Caledônia.

Quer combinação mais doce?
Era o doce com o doce:
a vida era doce e bela
como um pudim e um guaraná!
Naquela época nem nunca tínhamos
ouvido falar em diabetes...

Agora, estamos subindo a Pres. Vargas.
Cada um arrotando o seu lanche,
depois de termos pago a conta
com os trocados catados
nos fundos dos bolsos
na superfície da pobreza feliz
e ainda faltar algum
para pagar no dia seguinte.
Seu Odir conhecia papai:
Quem não conhecia o Pr. JJSF?

A disputa da garotada era insana...
Quem arrotasse mais alto
não precisaria pagar
“o doce mais doce”
da próxima vez...
E subíamos a rua como
se fôssemos a percussão
da Imperatriz de Olaria
que já, naquela altura,
infernizava o bairro e
perturbava nossas noites de sono...

Que vontade de subir, subir, subir...
Andar sem parar, ir para o Alto.
Ainda não havia galos cantando
naquela volta para casa,
mas nossos corações
cantavam músicas dos céus:
era uma “chama pequenina
que um grande fogo faz”....
E a vida era doce como
um poeta perdido na madrugada.
Nós somos a sombra do nosso futuro!
É como lidamos com a vida
(se tem guarda que apita
para nos corrigir os rumos)
que definimos nosso amanhã:
     “We Have Several Dreams!“

A Felicidade mora em Olaria
num coração solitário
em uma madrugada passada
situada na década de 70
que vive cada momento
como se fosse o último
e faz da poesia sua amante
mas não se esquece de seu Deus.

Josué Ebenézer Nova Friburgo,
19/12/2018 (05h38min).
(*) Por óbvio, os nomes são fictícios, conquanto os relatos sejam verdadeiros...

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