O
Culto na Igreja em Olaria acabou.
O
povo sai para a rua escura
e se
depara com o inferninho do bairro:
o
loiro pega a negra nos
monturos
de demolição da casa velha;
resquícios
do Steirão Love Story.
Vai
começar a noite no meu bairro querido
e
falta poesia no amor bandido.
Mas
onde está o Fabrício e onde o Jairo?
Éber
conta suas histórias engraçadas;
Valdo
reclama da vida e conta lorota.
A
Globo Discos não toca de noite Celly Campelo
e seu
eterno “Banho de Lua”
que a
deixa branca como a neve.
Mas,
quando a garotada passa em frente
da
loja; não há como não vir,
como
chiclete grudado na gente,
este
refrão, morou?:
“Oh!
luar tão cândido!”
Somos
os sonhadores do bairro.
– “We
Have Several Dreams!“
Flávio
e seu mau humor constante,
e sua
pressa para a vida:
o
trabalho na Fábrica de Rendas Arp
virou
sua cabeça adolescente.
E as
meninas da Igreja?
Foram
para casa.
A
noite é dos rapazes,
estes
adolescentes que se acham...
Ozéias
não ficou com o grupo;
foi pra
casa alimentar a passarinhada.
E Roberto
Carlos, cadê ele?
Ele
quer namorar minha irmã Jussara.
Ela
me perguntou o que eu achava.
Disse
que não devia namorá-lo:
Ele
era feinho e tinha espinhas nas costas.
Hahahahahahaha!
Em
pouco tempo casaram-se...
O amor
tem disso:
É
impossível ser contra
algo
que o coração já determinou!
Estamos
na rua à toa,
jogando
conversa fora.
A
maioria dos meninos era tricolor
e
vibrava com as conquistas,
nacionais
e internacionais,
da
lendária Máquina Tricolor”
dos
anos 70.
Mesmo
que as conquistas amorosas
da
garotada de subúrbio
andassem
longe de serem alcançadas.
Estamos
na rua principal do bairro
depois
do Culto Jovem.
O
vento frio da serra queima os rostos
e,
também, as mãos e faz a gente dar
pulinhos
pra esquentar.
Lenilson
faz uma bola de papel
e
joga no meio da galera que se anima.
A
molecada chuta de tudo na calçada
até
tampinha de garrafa!
A
algazarra noturna da turma,
na
escura Presidente Vargas de então,
anima
a rua deserta e notívaga.
A
escuridão denuncia
o descaso
do poder público
mas,
também, revela
que
as estrelas nos espiam
enquanto
meu coração
reclama
a presença da poesia
na
noite camarada.
Meu
mano José Carlos está ali também
ele é
sério como papai
e tem
até uma parecença física.
Deve
estar pensando na Josy
seu
namorico adolescente.
Mas,
quando o Fabrício – que gosta da Lia,
irmã
da Josy – volta com a notícia,
ele
se anima:
– O
Bar do Odir ainda está aberto!
E lá,
vamos nós, caras ao vento,
descendo
a rua correndo
pra
disputar os poucos assentos do bar.
Os
mais tímidos não disputam espaço,
chegam
com o relógio,
seus
ponteiros ajustados no tempo da chegada...
Era a
timidez do bolso:
alguém
teria que lhes pagar o prazer!
De
vez em quando passam alguns grupos.
Ou
eram os egressos de igrejas como nós
ou os
para quem a noite só estava começando
e o
Som Boate os aguardava.
Naquele
tempo...
a
noite dos crentes terminava
quando
a dos ímpios começava.
Estava
morrendo no ar o último dia da semana...
Nosso Grupo, “Libertos por Cristo”
Acabara de cantar no Culto Jovem.
Era sábado. O amor estava no ar.
Mas éramos apenas
dedicados e sonhadores
adolescentes cristãos...
Onde
você mora, Felicidade?
Os cotovelos afundados no balcão
o rádio tocando uma qualquer
canção
enquanto esperávamos o velho Odir
nos
atender sem a gente ter que pedir...
E as meninas, onde estavam?
Em suas casas, indo dormir,
fechando janelas e cortininhas
com seus pássaros, também,
voando em seus pensamentos...
A
Felicidade mora numa rua qualquer,
numa
casa sem número,
e
dorme num quarto sem porta,
mas
que só dá acesso ao amor.
A
Felicidade abre,
de
vez em quando, a janela
para
a entrada da Lua e seus poemas...
Seu
Odir chega com as guloseimas.
E o
que o Bar do Odir tem,
de
tão interessante,
para
essa turma adolescente
que
volta e meia se encontra por lá?
Lá
tem aqueles ovos cozidos
–
uns
azuis, até, dizem que é de pata –
e tem
também aqueles torresmos fritos
e uns
salgadinhos de vitrine,
que
gostam de aparecer,
e uma
decoração démodé
que
evoca o tricampeonato de 70
do scratch canarinho nacional...
Mas
não é nada disso
que
leva a garotada para lá...
O que
nos leva
nos
meados dos anos 70 ao Bar do Odir
era o
seu indefectível
pudim
de leite condensado
e uma
boa garrafinha
do
histórico Guaraná Caledônia.
Quer
combinação mais doce?
Era o
doce com o doce:
a
vida era doce e bela
como
um pudim e um guaraná!
Naquela
época nem nunca tínhamos
ouvido
falar em diabetes...
Agora,
estamos subindo a Pres. Vargas.
Cada
um arrotando o seu lanche,
depois
de termos pago a conta
com
os trocados catados
nos
fundos dos bolsos
na
superfície da pobreza feliz
e
ainda faltar algum
para
pagar no dia seguinte.
Seu
Odir conhecia papai:
Quem
não conhecia o Pr. JJSF?
A
disputa da garotada era insana...
Quem
arrotasse mais alto
não
precisaria pagar
“o
doce mais doce”
da
próxima vez...
E
subíamos a rua como
se
fôssemos a percussão
da
Imperatriz de Olaria
que
já, naquela altura,
infernizava
o bairro e
perturbava
nossas noites de sono...
Que
vontade de subir, subir, subir...
Andar
sem parar, ir para o Alto.
Ainda
não havia galos cantando
naquela
volta para casa,
mas
nossos corações
cantavam
músicas dos céus:
era
uma “chama pequenina
que
um grande fogo faz”....
E a
vida era doce como
um
poeta perdido na madrugada.
Nós
somos a sombra do nosso futuro!
É como
lidamos com a vida
(se
tem guarda que apita
para
nos corrigir os rumos)
que
definimos nosso amanhã:
–
“We
Have Several Dreams!“
A
Felicidade mora em Olaria
num
coração solitário
em
uma madrugada passada
situada
na década de 70
que
vive cada momento
como
se fosse o último
e faz
da poesia sua amante
mas
não se esquece de seu Deus.
Josué
Ebenézer – Nova Friburgo,
19/12/2018 (05h38min).
(*) Por
óbvio, os nomes são fictícios, conquanto os relatos sejam verdadeiros...
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