A sala era ampla e de muitas cadeiras.
O espaço nobre e as paredes cobertas de quadros:
Gente antiga, de semblante sério!
De parecença importante para o povo daquele lugar.
As molduras bonitas e as fotos enormes
emprestavam ao ambiente uma certa intimidade
- algo como se alguém nos olhasse de perto –
trazendo do passado a companhia de uma gente séria
que contrastava com as cadeiras vazias do lugar.
Será que aqueles homens dos quadros já se assentaram nestas cadeiras?
Alguns quadros eram pinturas:
Óleo sobre tela que custara a pose do retratado e o tempo e a arte do retratista.
Outros, fotos ampliadas aumentando a imponência dos modelos.
Tudo corroborava para que o ambiente ficasse carregado
de uma solenidade invasiva que me deixava atordoado.
Mas, de repente, o tom ficou ainda mais monocórdio:
Uma chuva torrencial cai e o barulho da água despencando do firmamento
faz do ambiente um lugar ainda mais
prenhe de recordação e memória.
À minha frente, um quadro com grande foto,
de homem grave e sério, trazia um vidro protetor.
E o vidro semi-embaçado pela poeira do tempo
reluzia tímido, refletindo a luz artificial do enorme salão.
E o homem do quadro sorria amarelo há pelo menos uns
cinqüenta anos, preso que estava na moldura daquele quadro
que também tinha vidro e tinha contornos definidos que impunham limites.
O moço, de bigode fino e ralo, espremia-se torto atrás do vidro sujo e frio.
Enquanto isso a chuva caía!
E o clima fazia-se frio e cada vez mais triste.
Até que as águas da chuva invadem a sala:
Pelas janelas. Pelo forro. Pelo lambri despencado do teto antigo.
Pelas paredes. E por onde mais houvesse uma fresta
de velhice que pudesse deixar passar águas incontroláveis.
Quando olho para o quadro de minha reflexão,
as águas escorrem pelo vidro que protege a foto da intempérie,
mas não impedem o homem do quadro de chorar...
Era como se o moço do quadro chorasse
o choro terminal de uma vida,
há tanto tempo represado naquele olhar distante e vazio!
Eram hipotéticas lágrimas de libertação
num convulsivo choro hipnótico
da fantasia de olhar a vida inteira
(vida de quadro em parede geralmente só começa com a morte do dono do rosto)
através das quatro paredes de uma sala fechada no tempo
e distante da vida que viceja lá fora, onde canta o sabiá...
O homem do quadro chorou - com a chuva daquela tarde -
o seu olhar perdido em direção ao infinito do não-existir.
E as lágrimas do moço do quadro de vidro -
na sala antiga da cidade velha -,
vertiam a esperança de tantos vivos que nem sequer retratos serão
nas carteiras dos entes queridos que dinheiro não têm para guardar!
Santa Maria Madalena, 26 de Março de 2005. (9h15m).
quinta-feira, julho 10, 2008
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