quarta-feira, fevereiro 27, 2008

BULA NA POESIA

Foi uma surpresa só,
e curiosidade tamanha...

Abrindo aquele livro -
um livro de poesia tão lindo,
cuja leitura afasta o tédio -
nele encontrei, dobradinha,
uma bula de remédio!

O livro, de primeira edição,
do ano de setenta e quatro
e a bula um tanto encardida
dobrada como marca-páginas
separando as leituras feitas
das outras ainda por fazer...

Mas que remédio era aquele
constante daquela bula?
E eu ali aturdido,
da vida um tanto esquecido
querendo aquilo entender...

Quando entrei naquele sebo
amante do fazer poético
em meio as estantes, patético,
uma voz a me dizer:

- Bula na poesia!

E agora que susto que tomo
ao fazer no livro assédio
e abrindo aquele tomo
encontro logo uma bula:
Uma bula de remédio!

Pego a bula em minha mão
E leio: Microdiol.

Que será?

Na minha ignorância
vou descobrindo a fórmula:
“É um contraceptivo
combinado de uso oral...”
A utilidade do remédio me remexe.
Me comove. Comigo mexe e remove
qualquer sombra de dúvida:
“Um comprimido é tomado
diariamente
sem interrupção por 21 dias...”

É mulher e é jovem quem por último
teve o livro em sua mão...
Como será ou terá sido ela?
“Fazer uma pausa de 7 dias
e reiniciar uma nova cartela...”
“No segundo ou terceiro dia desta
pausa deverá ocorrer a menstruação...”

Mas meu Deus qual a relação
entre a poesia e este tal de Microdiol?
Se poesia é vida e o remédio impede a vida,
de modo que não nasça o sol
para o fruto do relacionamento?

Poesia é vida, é luz,
é liberdade que conduz
para os céus de um sonho imenso!

Poesia é o despertar da existência,
é o desabrochar de flores,
é o despontar de amores,
e o afastar de uma ausência.

Poesia é preenchimento
é varinha de condão
afasta todo o tormento
e acalma o coração.

Na página em que achei a bula
no livro de poesia
no meio da página havia
um escrito feito de amor:
E eu com enorme gula
li o que ali existia
tudo era poesia
que me trazia favor.

Lá estava escrito
com um carinho bem terno.
Resumido e bem dito:
- CAMINHO ETERNO.

Não há qualquer conciliação
entre a morte e a vida
se a sua interrupção
nos impõe uma despedida.
Não haverá caminho eterno
para quem nem pisou no chão
deste solo da existência
que começa no coração.

Não quero fazer libelo
de qualquer contraceptivo
mas desafio a qualquer gente
que seja amante do belo
a que me dê um motivo
para matar a semente!

Sem semente não há vida
não há vida sem amor.
E por toda a minha lida
nas estradas por onde for
não questiono se é anti-ético
o uso do contraceptivo.
Mas, com certeza, antipoético
e não há paliativo
que mude minha opinião,
pois poesia é vida
e habita meu coração!

Nova Friburgo, 29/12/2004(7h41m).

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